Meditação sem objeto
Por vezes, meditar com um objeto específico (a respiração, a sensação de partes do corpo, mantra, a posição, estados emocionais amorosos, uma disciplina rígida na forma etc.) nos dá uma sensação de âncora para conter os pensamentos e emoções quotidianos que parecem interferir e não ser adequados. Porém, ao mesmo tempo, acaba limitando a experiência a esse objeto e a essa mentalidade.
A meditação profunda produz uma sensação de paz extrema e felicidade sem motivação externa. Normalmente, ela envolve abandonar esses objetos meditativos pouco a pouco durante o refinamento do estado meditativo. A respiração, por exemplo, vai ficando mais sutil e profunda e já não produz movimentos no abdômen. A sensação do corpo se perde com o amortecimento total da posição firme. A disciplina zen se torna uma segunda natureza e não mais incomoda. E assim por diante. A partir daí, se entra em jhana (estado meditativo sublime e profundo) e já não há mais objeto meditativo.
Na prática do Dzogchen, existe um tipo de subversão da meditação comum que é a ausência de objeto desde o início. Às vezes, a essa prática se chama de "não-meditação". A pessoa "não-meditando" não se concentra em nada especial e não tem uma atitude de buscar estados profundos. Ao invés disso, somente se coloca na posição relaxadamente e observa a experiência total durante o tempo de prática. Sensações como a respiração, a posição, a visão (ou a relativa escuridão dos olhos fechados), o mudra (posição das mãos), pensamentos e sentimentos são apenas acontecimentos acidentais do universo e não são observados com cuidado especial. Da mesma maneira, não são ignorados ou afastados. Apenas são vistos como algo que ocorre.
Essa forma de não-meditação é muito produtiva porque se há pensamentos intrusivos, emoções avassaladoras ou estados alterados de consciência, tudo isso está bem e não é errado. Acaba-se o julgamento do que são estados mentais/emocionais hábeis ou inábeis. Tudo é apenas experiência e pode ser tratado com aceitação, que é um tipo de auto-amor muito potente.
O mesmo vale para sensações corporais ou fadiga. Já não existe um culto de disciplina contraproducente: se precisamos mudar de posição ou há desconforto, podemos até mesmo dar uma pausa durante a prática, ou interrompê-la.
Remover a parafernália religiosa da meditação sem dúvida a torna mais produtiva porque inclui ver a prática em si como apenas mais uma atividade humana, com escopo limitado à sua duração (embora tenha consequências fora desse tempo). Não há um objetivo especial para alcançar, como algum despertar mágico que vá sublevar algo errado.
Tudo está bem na natureza da experiência humana; não há um tipo de pecado a ser removido com o alcance de um objetivo sobrenaturalista.
Assim, a meditação sem objeto pode ser apropriada por quem medita de forma laica e roubada para nosso proveito, adaptada e aplicada como uma forma de estar na posição sem qualquer propósito, ou até mesmo por prazer em fazê-lo. Por que faríamos algo se não fosse porque achamos que produz um bem em nossa vida? É verdade que o autoconhecimento não é apenas prazeroso e que a meditação ou outras formas de introspecção possa vir a trazer a tona difíceis percepções filosóficas e pessoais, mas isso é prazeroso em si e uma aventura deliciosa. Vale mais a pena viver uma vida que tem reflexão e ação positiva motivada por mergulhos interiores.
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