A importância da comunicação em relações não-normativas
Queira estejamos falando de relações românticas/sexuais ou vínculos de todos os tipos, se estamos tentando fazer algo fora das normas relacionais (monogamia, amatonormatividade, heterocisalossexismo, etc.) será importante desenvolver habilidades comunicativas e perder bloqueios com o sentar-se e conversar os detalhes sórdidos da coisa porque, se estamos atuando fora da norma, temos que ter o cuidado de evitar assumir as coisas que se reproduz sem pensar nas situações normativas. Estamos em território de "artesania relacional", havendo a necessidade patente de deixar explícitas as nossas expectativas, limites e modos de levar as coisas, buscando negociar diferenças e compreendendo de antemão o que não queremos. (1)
Quando temos uma situação de indicar indiretamente, com pistas ou frases soltas, algo que sentimos ou uma necessidade que temos, pode parecer injusto que a outra pessoa não "capte" a mensagem e nos obrigue a explicar nossa emoção ou necessidade, mas isso vem de uma ilusão cognitiva de quem está "dentro" do boneco, vendo toda a parte submersa de condições, pressupostos e motivações que fazem sair a pontinha do iceberg; podemos supor que seria muito óbvio para a outra pessoa, ao ver essa pontinha que se expressa, uma compreensão de tudo que está em nosso campo cognitivo-emocional, mas não é assim. A pessoa pode nem entender o que se quer dizer com essas pistas, ou entender mal.
É uma condição de responsabilidade afetiva básica e respeito com pessoas neurodivergentes tornar claras as coisas, explicar-se bem e fazê-lo com uma comunicação não-violenta. Do mesmo modo, é uma falta grave com a responsabilidade afetiva castigar uma pessoa por não adivinhar e supor o que queremos, um tipo de abuso psicológico que é muito comum na família e na cultura monogâmica; eu diria que podemos ver isso até no modo de pensar a amizade.
Com isso, adicionaria que há um mito da compatibilidade operando na normatividade, que é um grave problema de nossa cultura relacional atual. Supostamente, se a pessoa não automaticamente se ajusta às minhas expectativas incomunicadas "não somos compatíveis". A relação é desvalorizada, às vezes de modo surpreendente para alguém que não estava percebendo o mal-estar acumulado da outra pessoa, que mobiliza então agressão, castigos e hostilidade para verbalizar seu desconforto, como mencionado acima.
Então, existe a necessidade de aprendermos habilidades consideradas difíceis de comunicação. Pode parecer muito trabalho, mas é o trabalho de evitar sofrimento desnecessário e a criação de uma trilha sangrenta de decepção, sofrimento e, no fim das contas, violência relacional. Em uma cultura onde a violência é normalizada, onde estamos até o pescoço em artes, livros e teorias psicológicas pseudocientíficas representando a ruptura agressiva como uma coisa inevitável, pode parecer que tudo isso de aprender a comunicar-se não vale a pena, e que melhor seria aprender a cuidar das feridas causadas por essas situações, uma vez que se supõe que virão sempre, mas a verdade é que todos esses danos relacionais são evitáveis se cultivamos uma maneira saudável de manejar os vínculos e nossa comunicação.
Por último, esse manejo saudável dos vínculos implica uma autorrelação saudável, com bom conhecimento de nossas expectativas e com a capacidade de lidar bem com mudanças e transformações. Isso é uma habilidade que beneficia nossa vida emocional e psicológica interior para além dos óbvios ganhos de relações interpessoais saudáveis. Ou seja, é um ganho intrapessoal também.
Notas:
(1) Alguém poderia argumentar que o mesmo esforço seria bom até mesmo em relações dentro da normatividade, como casal monogâmico, porque duas pessoas que buscam relações normativas podem ter diferentes compreensões e necessidades mesmo nessa lógica. Eu não sei o quão válido isso será para alguém que tenha uma concepção normativa; tenho alguma hostilidade com a ideia de fornecer ferramentas para a reprodução de modelos que considero tóxicos em si mesmos.
Referências:
Anarquía Relacional, de Juan Carlos Pérez Cortés.
Descolonizando os afetos, de Geni Nuñez.
Pensamiento Monógamo, Terror Poliamoroso de Briggite Vasallo.
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