Fragmentos irreligiosos 3

Poucas coisas podem danar tanto a capacidade de uma pessoa de viver bem quanto o ódio ao prazer e à felicidade humana nesse mundo. Chamarei de asceticismo esse ideal budista, cristão e espiritualista.

Essas doutrinas são a foice do potencial humano, são o culto à uma irracional aversão à vida natural humana. Elas falarão de reinos do além ou estados exaltados para deixar a pessoa culpada das coisas "do mundo", como se houvesse outro mundo. Doutrinas dualistas (ou seja, que falam em matéria e espírito como duas essências separadas) vão servir para a produção de uma vasta quantidade de alucinações que vão enfeitiçar multidões.

É certo que existe um anseio na humanidade pela não-extinção da própria vida, o que se explica na evolução pelo instinto de preservação própria e da espécie. Porém, a alucinação coletiva do asceticismo e suas doutrinas irá criar poderosos instrumentos de estupidificação e culto ao vazio, usando como instrumento promessas que falam à esses anseios tão humanos para nos subornar à obedecer certas instituições e seguir certas ideologias. Nos têm daí de quatro, humilhades, rastejando ao sabor de quem supostamente detém a posse da Verdade.

Tudo isso é bem conveniente aos poderosos. A religião é a fundação do domínio autoritário de uma classe social, vem casar o papel do caçador e xamã como guerreiro e sacerdote, agora sócios fundadores da propriedade privada dos meios de trabalho, da terra e das ideologias oficiais.

Um vento de razão se abate no mundo desde cinco séculos atrás. Cresce a irreligião cada vez mas. As concepções tímidas do deísmo e do panteísmo dão lugar ao ateísmo e ao ceticismo. A derrocada da religião como centro da vida social vai aos poucos possibilitando avanços civilizatórios, morais e científicos sem precedentes. O modo de vida se torna mais humano e menos preconceituoso. Tabus ridículos vão afrouxando, milímetro à milímetro. Rejeitamos crendices do além em forma de nova era e esoterismo igualmente, por conterem a alucinação e a demência social em gérmen do mesmo modo que as religiões. A compreensão da constituição da psique primeiro e depois do cérebro vem a demolir qualquer lenda de divindade, fantasma, renascimento da mente, contato espiritual e feitos paranormais. Exposta sua fraude, a apologética jamais deixam uma evidência conclusiva...

... e ainda sim multidões pedem absolvição de um representante do nada na nave de uma loja da decepção. Pessoas honestas falam com o vazio em busca de consolo por dores de suas vidas. A sociedade defende tradicionais matrimônios bissexuais em culto à doutrinas herdadas dos livros de lorotas. O patriotismo e a supremacia étnica são louvadas ao lado das figuras imaginárias de cada cultura, e assim se promove guerra, inércia social e escravidão. O avanço ainda não conseguiu eliminar a doença cultural da religião (e do esoterismo).

Se é certo que a cultura muito antiga não tinha recursos para funcionar sem ideais supersticiosos, se é certo que algum aspecto positivo das comunidades na história foi cultivado num ambiente religioso, também é verdade que os aspectos problemáticos se potencializaram desde a institucionalização dessas doutrinas em igrejas e religiões majoritárias de um território específico.

A cultura humana já não colhe nenhum benefício em manter esse lixo cultural. Estruturas laicas promovem uma compreensão de mundo mais eficientes. A solidariedade comunitária é mais útil à humanidade que qualquer comadrismo de igrejola. 

E as versões independentes, "espiritualistas" de doutrinas supersticiosas são obstáculos de idêntica monta, pela carga anti-intelectual e capitalista que imprimem no seu seio: um conjunto de ideologias do capitalismo tardio. Trazem o desmonte da possibidade do conhecimento racional e um mercado de identidades que movimenta muito dinheiro e muito culto à gurus, médiuns, astrologistas e toda a charlataria.

Somente ao superarmos tudo isso, destruindo as ideologias e instituições religiosas/esotéricas e seu sócio, o Estado, veremos o fim dessa pré-história do potencial humano. A única emancipação se realiza com o fortalecimento razão e o do ideal libertário. Aí sim poderão as pessoas ser livres de preconceitos e limitações do quiriarcado*, além de ser providas nas suas necessidades materiais e intelectuais. Poderemos daí viver em comunidades verdadeiramente harmoniosas, receptivas e livres.

Morte ao sacerdócio, às religiões e à superstição! Morte a quem impede a liberação da gente trabalhadora!

Sem deuses! Sem mestres!


*Quiriarcado (do inglês "kiriarchy") é todo o conjunto de opressões sociais: gênero, sexualidade, raça, classe social, capacidade física/mental, idade, etc.

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