Criticando ideias ascéticas 2
"(...) Não é por ter ouvido isto de outros brâmanes e contemplativos que eu lhes digo que eu vi seres que—favorecidos pela boa conduta corporal, boa conduta verbal e boa conduta mental; que não insultavam os nobres, que possuíam o entendimento correto, e que praticavam ações sob a influência do entendimento correto—na dissolução do corpo, após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso. É por saber por mim mesmo, tendo visto eu mesmo, entendido eu mesmo, que eu lhes digo (essas coisas) (...)"
Itivuttaka 71
Ah! A joia do budismo! Você confirmará as verdades da prática por sua própria experiência. Muito melhor e diferente de fé cega, não é mesmo? Não.
Isso ainda está fundado numa espécie de mentalidade ascética que é a gangrena moral de todas as religiões e crenças sobrenaturalistas: a confiança em experiências místicas.
Imagina uma pessoa realizando práticas de meditação por horas todos os dias, dormindo pouco e comendo pouco, repetidamente imaginando que está inserida numa busca espiritual e que encontrará a verdade nesse processo, que terá revelações e estados "superiores" de consciência. A sugestão combinada com a insistência gera alucinações e delírios. Você encontrará a Verdade com "v" maiusculo, verá os seres reencarnando conforme suas ações se cresceu numa sociedade bramânica, ouvirá a voz de deus se for um monge cristão, encontrará espíritos e animais do poder se for um pajé na mata... tudo só depende do seu sistema de crenças.
Nem precisa de experiências muito disciplinadas para ter esse tipo de experiência religiosa/mística. A música certa, hipnose bem aplicada, o maravilhamento de uma arquitetura, sistemas bem construídos de explicações logicamente bem amarradas (sem referência em nada real) podem levar uma pessoa bem pouco disciplinada a experimentar o céu se abrindo se já estiver bem sugestionada. E um número de pessoas reduzido têm uma tendência, devido a neurodivergências, a experimentar esse tipo de estados alterados sem nenhum tipo de exigência – acontece do nada.
As nossas experiências interiores, como sonhos, visões, experiências religiosas, projeções de vozes e imagens e tudo mais não são uma fonte confiável para nenhum tipo de verdade que não seja atestar o incrível poder da nossa mente.
Se as experiências mágicas e miraculosas relatadas tivessem qualquer tipo de evidência empírica atestada indubitavelmente, como poderes paranormais, comprovação da obtenção de informações especiais por meios visionários etc. eu seria a primeira pessoa a conceder, e busquei essas evidências por muito tempo (sigo aberto a qualquer prova), porém o que encontrei foram "evidências" anedóticas - alguém contando uma história altamente duvidosa.
Pode ver que até mesmo coisas estranhas que poderiam criar uma discussão não estão do lado de uma doutrina ou outra. Alguém me dirá que multidões de pessoas experimentam aparições de Maria, mas existem aparições numerosas de divindades hindus na Índia. É um fenômeno que não entedemos totalmente, mas tudo sugere que não é boa evidência para a crença em coisas mágicas.
A pessoa que defende ideologias ascéticas sem recorrer a esse tipo de coisas e tratando tudo como metáforas é mais louvável, mas tem menos coisas a dizer que o número maior de pessoas fundamentalistas criando argumentos acrobáticos para usar a magia e a experiência mística como uma "explicação" (por exemplo: milagres aconteciam no passado, mas estamos em uma era mais impura ou deus desistiu de aparecer, entre outros "argumentos").
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