O problema dos rótulos na não-monogamia contemporânea
Muitas vertentes da não-monogamia atual preferem deixar de lado alguns rótulos que descrevem relações análogas ao casal, palavras como "namorade", "espose" e outras parecidas, por uma crítica justa à carga que essas palavras realmente têm, sendo atadas a um reconhecimento social que é da cultura monogâmica e que traz assunções desse sistema para os vínculos que se quer evitar reproduzir ao máximo.
Com isso, surgem expressões para substituição, pois, em muitos casos, se sente a necessidade de nomear essas relações diferentemente da amizade e de outros afetos sem esse elemento sexual-afetivo típico do que seria chamado de "relações românticas" (aqui, sem o sentido de "amor romântico" da crítica feminista).
O problema é que muitas dessas expressões de substituição são ambíguas: "amores", "vínculos", "afetos", "parceires" e outras palavras assim não se referem exclusivamente a relações com esses elementos: meu pai é um amor em minha vida, amizades são vínculos, até inimizades constituem afetos, até o comércio é constituído de parcerias, e assim por diante.
Algumas outras vezes se inventam expressões que poderiam ter esse problema, como "pessoa importante". Na maioria das vezes são expressões muito longas, e muita dessa parafernália fede a anglicismo.
Qual a solução?
Uma curiosidade linguística pode abrir nosso debate: em períodos arcaicos do português, a palavra "amigue" (com flexão de gênero binária obrigatória na época) tinha uma ambiguidade intensa, pois poderia significar o mesmo que hoje em dia ou poderia significar também o que seria hoje "namorade". A ambiguidade não impedia seu uso e compreensão devido ao contexto. Então, uma das soluções é adotar uma das palavras acima e deixar o contexto mostrar que estamos falando de relações análogas ao casal.
Críticas a essa solução podem apontar ao problema de que se poderia aplicar a mesma lógica de deixar o contexto diferencial para usar as palavras tradicionais ("namorade" e outras), e ainda temos o fato de que o uso desses termos ambíguos poder esvaziar ainda mais a importância da amizade como um amor, um vínculo e um afeto, algo da lógica amatonormativa (ou seja, da relação "amorosa" ser "mais que amizade") que se reforça com esses usos.
A solução anarquista relacional é deixar de lado a distinção na prática da vida e considerar que todo tipo de amores, vínculos, afetos e parcerias são exatamente isso, e que não precisa ficar claro pela palavra escolhida que tipo de conteúdo relacional existe para uma relação com ou sem sexo, em que se vive juntes ou separades, etc. Para nós, anarquistas, não deve ser o mais importante qual o nome que se dá aos vínculos, mas o pensamento que conduz sua prática. Se poderia argumentar contra essa solução que a falta de marcadores que distinguem alguns vínculos de outros poderiam causar sofrimento para algumas pessoas que querem um reconhecimento público da relação por diversos motivos (o que não é proibido na anarquia relacional, ao contrário do que versões aguadas para o público poderiam fazer pensar). Além disso, outra objeção possível é a confusão que poderia criar em situações comunicativas, onde podem supor incorretamente o conteúdo do vínculo por seu nome. Exemplo: se me refiro a minha amiga como um vínculo, outra pessoa pode pensar que fazemos sexo. Eu sei, as pessoas são mesmo muio intrometidas.
No fim, como tudo no mundo das relações não-normativas, não existe uma regra fixa e uma solução perfeita. Afinal, essa ideia de que existe somente uma maneira correta de fazer às coisas pertence às ideologias da monocultura e da colonização.
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