Comentando os 8 pontos da Anarquia Relacional (8)

Vou escrever sobre cada um dos 8 pontos da Anarquia Relacional criados por Andie Nordgren na Suécia em 2006. O documento foi traduzido para o inglês em 2012 por Andie e publicado aqui.

Andie se preocupou em escrever sobre sua visão relacional tendo em vista ume leitoru sem conhecimento sobre o poliamor ou que estivesse mais ou menos desinformade sobre as últimas discussões no mundo do amor livre. Apesar disso, ao tempo aborda questões do debate poliamoroso que estavam em voga quando da criação do conceito da Anarquia Relacional (em 2005).

É importante considerar também que sua proposta surge num congresso anarquista e que retoma a tradição libertária, uma tradição que pensa privilegiadamente as consequências das formas de união amorosas e afetivas como forma de luta. O anarquismo historicamente foi a vanguarda intelectual do amor livre, especialmente na produções de mulheres libertárias que produziram contra a monogamia, a união indissolúvel e o casamento civil ou religioso. Andie também traz elementos atualizados do debate queer e anarcafeminista do século XX para a mesa. É essa mirada combinada de teorias e da experiência pessoal de Andie que vem criticar pressupostos relacionais e propor a Anarquia Relacional como uma visão anarquista sobre o tema. Outro fator importante a considerar é que essa elaboração foi feita em conjunto com pessoas de seu grupo de afinidade. O texto teve um impacto imenso na comunidade poliamorista da época e nos círculos anarquistas internacionalmente, o que se amplificou na década seguinte e além.

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Minha tradução do oitavo ponto:

"Mudança pela comunicação

Para a maioria das atividades humanas, há alguma norma que dita como as coisas devem funcionar. Se você quer desviar desse padrão deve se comunicar; de outro modo, as coisas tendem a seguir a norma, pois outras pessoas se adequam a ela. Comunicação e ações conjuntas para mudança são a única maneira de se libertar. Relacionamentos radicais devem ter a conversa e a comunicação em seu cerne, e não como um estado de emergência que só é trazido para resolver 'problemas'. Comunique-se em um contexto de confiança. Estamos tão acostumades às pessoas nunca dizerem o que realmente pensam e sentem que temos que ler entre as linhas e extrapolar para descobrir o que realmente querem dizer. Porém, tais interpretações acabam se baseando em experiências anteriores; geralmente, baseadas nas normas que não queremos para nós. Faça perguntas e seja explícite!"

Esse ponto é uma junção dos últimos pontos. Trabalha sobre a ideia de que necessitamos comunicação radical e super honesta para poder avançar num projeto anarcoamoroso, uma vez que a ausência de comunicação nos faz viver advinhando coisas.
Quantas de suas relações pessoais não são construídas ao redor de advinhar como a outra pessoa se sente? Seria melhor poder falar abertamente o que pensamos e esperamos. 
E, na verdade, somente com esse tipo de movimento relacional podemos construir relações que não estão baseadas nas velhas ideias que chamei de "Sharia dos relacionamentos".  Há muitas "pérolas" da sabedoria acerca do que é amizade, o que é romance, o que é família, o que é ser mãe/pai e o que é ser filhe etc. Nada disso nos serve para fazer uma revolução.
Uma dificuldade possível é que a outra pessoa esteja operando nesses pressupostos que já não queremos. Ora, de que adianta eu ser super comunicative e colocar expectativas de modo claro, trabalhar com limites ao invés de exigências e ter vários mecanismos para continuar adiante com esse projeto se me defronto com um mundo de pessoas que só querem a segurança simbólica do que é previsível, e que a cada passo reforçam os esteriótipos?
Especialmente nas relações românticas/sexuais, a pessoa anarcoamorosa pode sentir que suas opções diminuem e que se sente mais e mais isolada, sem possibilidade de criar vínculos do tipo que deseja para si. Todos os mantras rebeledes que usamos para fortalecer a confiança podem soar um pouco desesperançosos depois de muitas vezes dando com a cara na parede.
Eu me delicio numa solução específica: fazer o papel de anarcoterrorista amorosa. Começo a trabalhar no desmantelamento dos pressupostos através do estranhamento e da indagação constante sempre que farejo um pouco de normatividade. "Por que estamos assumindo que tal coisa é assim?" "Por que seria errado fazer dessa outra maneira?" Algumas vezes, encontramos ferrenha resistência, mas se estamos diante de pessoas inteligentes, curiosas, cansadas da mesmisse e questionadoras, surge a possibilidade de uma abertura de uma mente anteriormente fechada. 
Nada como um atentado com bombas afetivas contra os monumentos da quiriarquia!
Pessoalmente, eu não quero que o mundo inteiro se converta na religião da AR, e nem que todas as pessoas com que me relaciono tenham as mesmas concepções que eu. É possível levar muito adiante trabalhando com expectativas diferentes. Contudo, não devemos esquecer de colocar limites fortes que nos protejam do pior dessas expectativas.
Não se esqueçam de que somos ateístas no Irã, vivendo às sombras de uma ditadura relacional insidiosa e de um culto ao casal e à família como modelos finais da felicidade. Teremos que fazer bastante terrorismo para levar adiante nossa luta política, que se expressa também através dos vínculos (e se expande a partir deles para uma atividade que transformará a sociedade a longo prazo).
Não existe Anarquia Relacional fora da perspectiva libertária.

Andie conclui seus oito pontos com uma reflexão que permite ter esperança e encapsula uma resposta contra todo tipo de clichês anti-anarquistas:

"Personalize seus compromissos

A vida não teria muita estrutura ou significado se não nos juntássemos com outrem para atingir objetivos: construir uma vida juntes, ter filhes, ter uma casa e enfrentar dificuldades para o crescimento. Tais empresas normalmente exigem um montão de confiança e comprometimento para funcionar. A anarquia relacional não tem a ver com nunca se comprometer com nada, e sim com projetar seus próprio comprometimento com as pessoas próximas de você, e se libertar das normas que ditam que certos tipos de compromisso são um pré-requisito para o amor ser real, ou que alguns compromissos como ter filhes ou morar juntes tem que ser governados por certos tipos de sentimentos. Comece do zero e seja explícite sobre que tipo de compromissos você quer com outras pessoas!"

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